William Waack (publicado no Estadão)
Ouvi a vida inteira uma frase sobre a política no Brasil, especialmente em época de Copa do Mundo: “Se as pessoas se interessassem menos por futebol, as coisas seriam diferentes”. Pois bem, pela primeira vez desde que existem pesquisas de opinião a maioria da população no Brasil diz que nem sequer se interessa pelo maior evento esportivo do planeta. Parece razoável supor que as coisas tenham mudado na política brasileira. Em qual direção?
Sou da geração que entrou na universidade em 1971 e que viveu uma situação quase esquizofrênica: como torcer para um time tão maravilhoso como o de 1970 se a paixão pelo futebol era vista por nós, estudantes engajados em política, como um alicerce do regime militar? Tínhamos a ideia, por sinal tão arraigada sobretudo nos países comunistas, que a paixão pelo esporte cria identificação com o regime político (a ponto de lhe conferir legitimidade). Portanto, vitórias ou derrotas influenciariam diretamente disputas políticas. Como eleições, por exemplo.
Demorou para os comunistas entenderem que medalhas olímpicas (só a Hungria comunista chegou perto de conquistar um mundial de futebol da Fifa – alguns dizem que foi a derrota na final de 1954 que impulsionou a revolução de 1956, mas não há provas…) não salvariam seus regimes. Assim como demorou para nós entendermos aqui no Brasil que o fato do nosso time levantar o caneco não garante ou não condena candidato algum. FHC e Lula que o digam. Então, como é que o futebol mexe com a política?
Os economistas mencionam frequentemente o “feel good factor”, segundo o qual a percepção por parte de consumidores da situação econômica ao seu redor, mais irracional do que qualquer outra coisa, condiciona de alguma maneira comportamentos políticos. Ganhar uma Copa faz esquecer desemprego, por exemplo? Ou inflação? Acredito que não. Acho que não é tanto a vitória ou derrota nos jogos em si que nos diz alguma coisa sobre o “clima” político mas, sim, a forma como nossa sociedade evoluiu na dedicação a esse jogo.
Neste sentido, é possível detectar grosso modo uma transformação que mantém paralelos com o que está acontecendo na política. Torcer pela seleção em época de Mundial era um acontecimento compartilhado. Havia uma espécie de solidariedade em pintar as calçadas, as caras, decorar as janelas – um “fervor” que correspondia (embora totalmente fútil, admito) a um tipo de “esperança”.
Onde vejo hoje uma correlação entre futebol e a situação política é na ausência de “heróis” (no caso do PT, o “herói” Lula tem mais a ver com a veneração com que seitas tratam seus guias). Depois de muitos anos na reportagem reluto em acolher teses de causa/efeito mecânicas, por isso não consigo afirmar que o desânimo com a política explica em parte o desinteresse pelo futebol (onde antes era tão vibrante) e vice versa. Mas não consigo ignorar que um é o espelho do outro.
Acho até mais fácil explicar o desinteresse pelo Mundial, que tem a ver com a própria forma como mudaram os hábitos de consumo de entretenimento, entre eles o esporte. Tecnologias digitais, disruptivas na sua essência, espalharam o espetáculo futebol, que continua presente, mas agora também on demand. No caso da política, é o próprio “espetáculo” que passou a ser visto como um jogo sujo no qual as pessoas nada tem a dizer, dominado por elementos (partidos e políticos) corruptos e distantes.
A diferença são as consequências. O desinteresse pelo mundial traz só nostalgia. Desinteresse pela política é fatal.
Fonte: Veja
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